A prefeita de Boa Vista, Teresa Surita (MDB), comprou um terreno na zona rural de Boa Vista para futura construção e instalação da usina fotovoltaica e vai pagar por ele R$ 2,8 milhões.
O dono do terreno é o ex-secretário municipal e produtor rural, Eugenio Thomé e o processo de aquisição do terreno feito sem licitação, tem várias lacunas documentais e indícios de irregularidades.
O extrato de contrato da compra foi publicado dia 22 de junho, no Diário Oficial do Município, e mostra que o Secretário Municipal de Serviços Públicos e Meio Ambiente, Daniel Peixoto, deu início ao Processo Administrativo nº 8208/2020 e fechou o contrato 524/2020, com a compra do lote de 10 hectares na gleba Cauamé sem licitação, com recursos próprios.
Sem uma única foto do local no processo, que não está disponível no site transparência, o imóvel foi avaliado em R$ 2,8 milhões. Ainda com a data de 18/05, o processo traz um documento aceitando o preço pedido, bem como despacho da prefeita, determinando o prosseguimento da compra.
Também não foi encontrado no contrato nenhum estudo da Prefeitura apontando que cálculo foi utilizado para chegar ao valor milionário cobrado pelos 10 hectares de área.
O terreno não tem benfeitorias e a justificativa para o preço diferenciado é a proximidade com a rodovia federal BR-174, além da proximidade com a subestação de energia de Monte Cristo, o que pode facilitar a venda de energia produzida.
Valorização acima do preço
Só para comparação, a Planilha de Preços Referencial para fins de titulação das Terras do Governo do Estado define o valor mínimo do hectare do Valor da Terra Nua (VTN) em R$487,33 e o máximo de R$1.461,98.
Usando o valor máximo dos preços governamentais, os 10 hectares de terra custariam aos cofres públicos R$ 14.619 reais.
Na tabela do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o valor mínimo do hectare é de R$670,00 e o máximo de R$1.117,00. Neste caso, o terreno de 10 hectares deveria custar R$ 11.170 reais.
Preço no Cartório de Imóveis e na declaração de bens
O site Política Macuxi procurou o Cartório de Registro de Imóveis para saber por quanto a terra havia sido registrada. Pagou R$ 22 reais pela consulta pública e descobriu que recentemente a área de 22 hectares pertencente ao ex-secretário Eugenio Thomé havia sido desmembrada.
O desmembramento foi de um lote de terras que passou a se chamar “Geração Solar (antiga parte da Fazenda Cruz Alta) , com a área de 10 hectares e perímetro de 1.300,00 metros.
Essa área não teve valor definido pelo proprietário pois não foi feita a transferência oficial da terra. Mas a área maior do terreno de 220 hectares está avaliada no cartório de imóveis por R$ 4.122,62.
A reportagem encontrou ainda a prestação de contas fornecida ao Tribunal Superior Eleitoral em 2016, por Eugenio Thomé, onde ele declarava que o terreno, que tem no total 220 hectares, valia R$ 100 mil reais
Corrigido pelo Índice Geral de Preços do Mercado (IGP-M), acumulado do período entre 2016 e 2020, o terreno deveria valer, pouco mais de R$ 118,7 mil, o que daria um valor de R$539 por hectare.
Portanto, a preço atual, os 10 hectares de terra vendidos ao poder público municipal estariam valendo R$ 5,3 mil.
“Isso mesmo, o imóvel foi vendido para a Prefeitura com uma valorização de 5.175%, enquanto o IGP-M para o período foi pouco maior do que 7 %”, explicou um economista consultado pelo Política Macuxi
Imobiliárias e vendas online
O Política Macuxi procurou imobiliárias que negociam terrenos na gleba Cauamé e eles informaram que os valores de propriedades naquela região, que foram vendidas recentemente, estão com preço do hectare bem abaixo do negociado pela administração municipal.
“Acabei de vender um terreno nesta mesma área, com 5 hectares, uma casa muito boa e várias benfeitorias por 300 mil reais os cinco hectares. Mas tem muita benfeitoria e esse não tem benfeitoria nenhuma, é terra nua. A Eneva comprou um terreno quase em frente a esse, com tamanho similar por 50 mil reais. É um preço inadmissível e nunca visto para esta área”, disse um corretor que trabalha com venda de terrenos na mesma região.
A reportagem também procurou nos classificados online de um jornal de grande circulação, ofertas naquela região do Monte Cristo, gleba Cauamé.
A média de venda do hectare de um terreno sem benfeitorias chega a R$ 800 reais nos anúncios encontrados.
Um advogado da área imobiliária, procurado pelo Política Macuxi, explicou que o caso pode ser levado à Justiça por afrontar princípios basilares do uso do dinheiro público.
“Além de aparentemente desrespeitar os princípios da impessoalidade, probidade e moralidade, a compra causa possíveis danos ao erário, pois levaria o Município a pagar cerca de 5000 vezes o valor real do imóvel”, explicou.
Dinheiro veio de empréstimo milionário
O dinheiro pago pelo terreno veio de um empréstimo milionário feito pela Prefeitura de Boa Vista e aprovado pela Câmara Municipal, segundo denúncia feita pelo vereador Linoberg Almeida (Rede)
“O processo que deveria explicar como foi usado o dinheiro para comprar placa de energia solar a um preço astronômico não está disponível no Portal e protocolamos pedido de acesso integral ao processo. Será que tem pareceres, pesquisa de preço ou está favorecendo grupos amigos? Esse dinheiro veio de um empréstimo de 47 milhões que a prefeitura fez na Caixa Econômica e estamos investigando desde o comecinho. Votamos não, avisamos MP, TCE e a Justiça parou o uso de parte desse dinheiro porque tinha indícios de irregularidades. Vamos investigar esse processo”.
MP vai investigar o caso
A reportagem do Política Macuxi procurou o Ministério Público de Roraima para saber se existe algum tipo de investigação por improbidade administrativa por conta da denúncia de compra de terrenos com preços superfaturados.
O Ministério Público por meio da Promotoria de Justiça de Defesa do Patrimônio Público, informou que tomou conhecimento, pela mídia local, sobre a referida compra de terreno.
“A Promotoria verifica o caso e solicitará formalmente informações da prefeitura de Boa Vista sobre a aquisição do imóvel”
Dono do terreno
A reportagem também procurou o ex-secretário e produtor Eugenio Thome mas ele não respondeu as demandas sobre o assunto.
Prefeitura afirma que terreno é área urbana e tem acompanhamento da Caixa Econômica
Também procurou a Prefeitura de Boa Vista, que por meio de nota, informou ainda que está implantando projeto de energia solar que vai gerar grandes economias de recursos públicos por, pelo menos, 25 anos, que é o tempo de garantia das usinas solares. Além disso, é uma energia limpa que beneficia o meio ambiente.
Para construir a usina, definições técnicas determinaram que ela deveria estar próxima à subestação da Eletrobrás, que fica no Monte Cristo, exatamente pelo transporte de energia e a necessidade de acoplar o sistema de distribuição da usina à rede elétrica.
Para isso, foram avaliadas opções para aquisição do terreno e implantação da usina. Pareceres técnicos determinaram que o melhor local era exatamente onde está sendo erguido o projeto por não exigir maiores despesas com terraplanagem nem existirem problemas com alagamentos, tampouco gera danos ambientais.
Reforça que o terreno está situado em área urbana e, portanto, é extremamente valorizado. “O projeto está em andamento e é acompanhado e fiscalizado pela Caixa Econômica Federal e está à disposição de quem desejar”, conclui a Prefeitura em nota.