Artista plástico Johan Matos transformou a pedra sabão da Serra do Tepequém em arte (Foto: William Roth)
Nascido e criado nas favelas de Caracas, capital da Venezuela, onde a escassez e a violência eram parte da rotina, o artista plástico e ativista cultural Johan Rafael Matos, de 52 anos, encontrou refúgio na arte.
Ainda menino, desenhava tudo o que via: pessoas, sentimentos, sonhos. Ao redor, uma rede de inspirações: a madrinha que coordenava peças teatrais no bairro, amigos artistas e professores que lhe mostravam o poder transformador da cultura.
“Cresci cercado de gente que acreditava na arte como um caminho. A gente não tinha dinheiro, mas tinha papel, tinha vontade e tinha esperança”, relembra.
Com o agravamento da crise econômica e social na Venezuela, Johan precisou deixar suas esculturas e pinturas espalhadas por praças públicas, e a associação de artistas da qual fazia parte.
Diante desse cenário, migrou para o Brasil em 2019, sem garantias, no entanto tendo uma certeza: não abriria mão de sua arte.
Do barranco à bancada: o nascimento da arte em pedra sabão
Foi em Roraima, mais precisamente na Serra do Tepequém, no município de Amajari, que ele encontrou o que chama de “segunda chance”. Lá, descobriu a pedra sabão avermelhada, resquício do antigo garimpo local, e enxergou na matéria-prima um símbolo do seu próprio recomeço.
“Comecei a trabalhar com a pedra sabão e vi que podia recomeçar minha vida dali. A coloração dessa matéria-prima do Tepequém é única, avermelhada, e o material é resistente e suave ao mesmo tempo. Tudo o que eu precisava estava na natureza”, destaca.
Para chegar até a matéria-prima que dá origem às suas esculturas, Johan precisa subir uma trilha longa e íngreme, escondida entre as montanhas do Tepequém. São quase duas horas de caminhada por terrenos acidentados, cruzando igarapés, mata fechada e areia fofa até chegar a única montanha onde, segundo ele, repousam blocos de pedra sabão — uma riqueza natural deixada pelo tempo e pelo antigo garimpo.
Entre trilhas, pedras e esperança
A extração é feita com ferramentas simples e muito esforço físico. Cada pedra retirada pesa entre 20 e 40 quilos, e é carregada nas costas, sozinho, por mais de 10 quilômetros, até sua oficina, onde começa o verdadeiro trabalho artístico.
“A trilha é dura, entretanto eu a percorro com alegria. Porque sei que dali sai o que sustenta minha vida e a arte que eu compartilho com o mundo”, diz.
Na oficina, ele limpa, corta e classifica as pedras por cor, textura e utilidade. As mais delicadas viram colares, brincos ou mosaicos com sementes de açaí e fibras de buriti. As mais sólidas são transformadas em porta celulares, peças utilitárias ou esculturas em alto- relevo.
Cada criação tem uma história, como a escultura de um casal sob a lua, feita com uma pedra rara de jaspe avermelhado. Uma turista norte-americana comprou a peça antes mesmo de ela estar pronta. Entretanto, por causa do peso, acabou ficando no Brasil. Foi então presenteada por amigos ao governador de Roraima, Antonio Denarium.
Hoje, cerca de 80% da renda de Johan vem da venda de peças artesanais. Ele sustenta a si mesmo, ajuda a família na Venezuela e reinveste no negócio. A atuação como artista se mistura à de educador, empreendedor e agente cultural.
De artista solitário a empreendedor cultural
A virada na vida de Johan aconteceu quando ele foi selecionado pela Acnur, Agência da ONU para Refugiados, para participar do Empretec. O programa, promovido no Brasil pelo Sebrae, é voltado para o desenvolvimento de competências empreendedoras. O curso intensivo ajuda participantes a identificar oportunidades, planejar, tomar decisões e estruturar seus negócios de forma sustentável.
“Eu fui um dos 23 escolhidos entre mais de 300 imigrantes que se inscreveram no Empretec. Já tinha uma ideia de negócio, só não sabia como transformá-la em algo viável. O Empretec me ensinou a ser empreendedor, a entender meu valor, a lidar com clientes, a definir preços e a criar metas”, pontua.
Durante o treinamento, Johan aprendeu a estruturar seu negócio com foco na sustentabilidade financeira e impacto social. O curso o incentivou a expandir sua atuação, capacitar outros imigrantes e enxergar o artesanato como potencial de desenvolvimento local.
Por conta disso, Johan transformou sua atuação individual em um movimento de valorização da cultura amazônica. As peças produzidas carregam não apenas a beleza da pedra sabão e das fibras do buriti, mas também a história de quem cruzou fronteiras e recomeçou.
“A gente acha que empreender é só vender. No Empretec eu aprendi que é mais do que isso. É planejamento, é comunidade, é propósito. Então posso dizer que o Empretec e o Sebrae transformaram a minha vida, meu modo de pensar, enquanto empreendedor, enquanto artista e enquanto ser humano”, reforça.
Carolina Morales, representante do ACNUR em Roraima, destaca o Sebrae como um “parceiro estratégico e uma referência nacional em empreendedorismo”. Segundo ela, muitos refugiados chegam ao Brasil com a necessidade de recomeçar, e trazem consigo um forte potencial empreendedor. A parceria entre as instituições busca justamente abrir caminhos para que essas pessoas tenham acesso à capacitação e possam gerar renda de forma autônoma e sustentável.
Empreender é resistir
Em Roraima, o Empretec está presente desde 1997. Ao longo de quase três décadas, já formou mais de 2.500 empreendedores em 112 turmas concluídas, fortalecendo negócios locais, impulsionando o turismo e promovendo inclusão produtiva.
Hoje, a comercialização dos produtos artesanais já representa a principal fonte de renda para muitos dos integrantes do grupo. Segundo Johan, aproximadamente 80% da sua renda mensal vem da venda das peças que produz — dinheiro que não apenas garante sua sobrevivência em solo brasileiro, como também permite o envio de apoio financeiro à sua família na Venezuela.
E ele não está sozinho. Existem outros casos, como o de Nayi Susej, outra participante do Empretec para refugiados, que revelam um novo cenário: o da autonomia financeira através do empreendedorismo social, com mulheres e homens migrantes ocupando espaço no mercado de forma criativa, responsável e solidária.
“Foi uma experiência transformadora, que me ajudou a fortalecer o comportamento empreendedor que sempre acreditei ter. Abriu novas oportunidades e me deu conhecimentos que pude aplicar no meu negócio. Posso dizer que mudou minha vida, pois passei a enxergar possibilidades que antes não via”, afirma Nayi.
Núbia Ribeiro, coordenadora estadual do Empretec, explica a importância dessa colaboração.
“Temos muitos refugiados e migrantes que são empreendedores e que participam de nossas atividades por meio de oficinas, palestras, orientações e consultorias. Dentro desse universo, o Empretec voltado especificamente para refugiados vem para oportunizar e consolidar o comportamento empreendedor necessário para alcançar o sucesso”, explica.
Desenvolvido exclusivamente pelo Sebrae no Brasil e presente em mais de 49 países, o Empretec mantém uma metodologia rigorosa, adaptando-se às necessidades do público-alvo. Os resultados são visíveis e inspiradores. Núbia compartilha exemplos das oportunidades que o programa proporciona aos participantes.
“Temos empreendedores que antes trabalhavam em casa, e hoje têm um ponto fixo, estruturas adequadas e atendimento diferenciado. Tivemos também uma empresária que, após participar do Empretec para refugiados, se inscreveu em uma premiação internacional voltada para mulheres empreendedoras”, comemora.
Um coletivo que transforma vidas
Com o apoio do Sebrae, Johan realizou outros cursos, como de artesanato, marketing digital, turismo e fotografia, e começou a compartilhar seu conhecimento com outros migrantes e moradores do Tepequém. Surgiu então um coletivo de artesãos formado por brasileiros e imigrantes voltado à valorização da cultura amazônica e ao uso consciente dos recursos naturais.
As peças produzidas — colares com fibras de buriti, brincos com sementes de açaí, esculturas em pedra sabão — respeitam o meio ambiente e representam a biodiversidade da região. Todo o processo de extração das pedras é manual e não danifica a montanha.
“A natureza já nos oferece a matéria-prima. Só precisamos respeitar o tempo dela”.
O artista também representa Amajari em fóruns culturais e participou como convidado da Conferência Nacional da Cultura, em Brasília. Defende a inclusão de imigrantes nas políticas públicas brasileiras e acredita que a cultura é o caminho mais eficiente para promover integração social.
As metas agora são ainda mais ousadas. Johan trabalha no projeto de uma escola de formação artesanal, com sede no Tepequém, voltada para venezuelanos em situação de vulnerabilidade. A ideia é preservar as técnicas sustentáveis desenvolvidas pelo coletivo, valorizar os recursos naturais da região e garantir geração de renda contínua para famílias que enxergam na arte uma ferramenta de reconstrução.
Mais do que esculturas, brincos ou colares, o que sai das mãos desse artista do Tepequém é esperança transformada em matéria, identidade e pertencimento. E, no centro disso tudo, está o poder do empreendedorismo aliado à cultura.
“Tem quem não goste de imigrantes. Eu respondo com arte, com diálogo, com trabalho. Estamos criando história aqui”, conta.
Pequenos Negócios e COP-30
Em meio às montanhas do Tepequém, onde transforma blocos de pedra sabão em arte e recomeço, Johan Rafael Matos agora prepara a bagagem para lutar para um destino que jamais imaginou: a Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas — a COP 30, marcada para 2025, em Belém do Pará.
Está em tratativas para ser um dos artistas representantes de Roraima e do coletivo de artesãos que ajudou a fundar, pois pretende levar na bagagem mais do que peças esculpidas: leva histórias de resistência, sustentabilidade e integração. Suas obras, feitas com materiais naturais da floresta, revelam não só a beleza da Amazônia, mas também o compromisso com o uso consciente dos recursos.
Para Johan, que um dia cruzou a fronteira apenas com as mãos e a esperança, estar na COP 30 é mais que reconhecimento — é reparação simbólica. O homem que antes caminhava horas por trilhas em busca de matéria-prima, agora quer percorrer outro caminho: o da diplomacia cultural e do ativismo ambiental.
“É a natureza que me alimenta, que me sustenta e que me cura. Estar na COP é dar voz a quem vive dela e por ela”, diz.
Entre líderes mundiais e especialistas do clima, ele será o elo entre a arte e o território, mostrando que sustentabilidade também nasce da criatividade de quem sobrevive em harmonia com a floresta.
SERVIÇO | Quer empreender com propósito?
Inscrições no Empretec
Interessados em participar do programa podem se inscrever pelo site do Sebrae:
www.sebrae.com.br/sites/PortalSebrae/empretec
Contato do Coletivo de Artesãos do Tepequém
Para adquirir peças ou agendar visitas:
WhatsApp: (35) 99994-3230
E-mail: elarteesmivida2009@gmail.com
Local: Centro de Artesanato do Tepequém, Amajari-RR
Onde comprar as peças?
* Feiras locais em Amajari e Boa Vista
* Instagram: @johanartes.1
* Encomendas via WhatsApp ou redes sociais
Dicas práticas do Empretec – por Johan Matos
✔️ Calcule o preço do trabalho final somando os custos da matéria-prima, tempo de produção e despesas fixas. Depois, adicione sua margem de lucro.
✔️ Nunca subestime o valor do seu trabalho: o artesanato também é uma forma de arte.
✔️ Conheça seu público, aprenda a ouvir e adapte suas criações à demanda.
✔️ Organize seus custos mensalmente e reinvista parte do que você ganha.
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