A Justiça de Roraima indeferiu os pedidos de prisão preventiva de três dos principais investigados por um suposto esquema de corrupção que pode ter desviado mais de R$ 108 milhões da Universidade Estadual de Roraima (UERR).
Apesar disso, o site Política Macuxi teve acesso a decisão judicial e detalha aqui as medidas duras da Vara de Combate a organizações criminosass: afastamento de cargos públicos, uso de tornozeleira eletrônica, proibição de contato com órgãos públicos, e o bloqueio de bens de luxo — incluindo uma aeronave, fazendas e imóveis avaliados em milhões de reais.
Entre os alvos da decisão estão o ex-reitor da UERR e ex-Controlador-Geral do Estado, Regys Odlare, os empresários Raimundo Nonato e Irisleide Medrada, sócios da empresa de Engenharia, apontada como beneficiária direta dos recursos desviados.
A Justiça determinou, ainda, o sequestro da Fazenda Renascer, de imóveis urbanos em Boa Vista e da construção de luxo no condomínio Rancho Malboro, atribuídos a Regys, além do bloqueio de contas bancárias e apreensão de bens móveis, como o avião modelo Tecnam P92.
Os investigados também estão proibidos de manter contratos com o poder público e devem entregar seus passaportes à Justiça. A empresa de Engenharia teve suas atividades suspensas, e o contrato com a UERR, de mais de R$ 17 milhões, foi cancelado.
De acordo com a investigação da Polícia Federal, o esquema operava dentro da Universidade Estadual de Roraima (UERR) por meio da combinação entre agentes públicos da alta cúpula da instituição e empresários ligados à empresa de Engenharia.
A engrenagem do esquema funcionava em cinco etapas principais:
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Licitação direcionada: A modalidade Pregão Eletrônico foi propositalmente preterida, dando lugar ao Pregão Presencial sob o argumento de maior “celeridade”. No entanto, essa escolha reduziu a concorrência e permitiu manipulações no processo.
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Jogo de planilhas e superestimativas: O edital foi elaborado com quantidades infladas de serviços e itens a serem contratados. A proposta da empresa de Engenharia usava exatamente o mesmo modelo de planilha da UERR — inclusive com datas anteriores à publicação oficial do edital, indicando vazamento de informações privilegiadas.
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Pagamentos sem prestação de serviço: Mesmo antes da assinatura do contrato, notas de empenho foram emitidas, e valores milionários foram repassados à empresa. Em oito pagamentos, R$ 16.273.234,00 foram liberados sem qualquer comprovação de que o serviço havia sido executado.
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Saque em espécie e triangulações: Mais da metade dos valores recebidos pela empresa foi sacada em dinheiro vivo. A PF aponta triangulações suspeitas, como o repasse de mais de R$ 2,4 milhões da empresa de Engenharia para a empresa de aviação, que, dias depois, depositou R$ 2,2 milhões na conta do ex-reitor, alegadamente pela venda de um helicóptero.
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Lavagem de dinheiro e ocultação de patrimônio: Os valores desviados eram convertidos em bens de luxo — imóveis, gado, veículos, reforma de residências — frequentemente registrados em nome de terceiros ou pagos em dinheiro vivo. Em muitos casos, o pagamento ocorria logo após saques vultosos da empresa vencedora da licitação.
Os bens do ex-reitor que foram apreendidos pela Justiça
A Justiça estadual determinou o bloqueio, sequestro e arresto de diversos bens de alto valor atribuídos ao ex-reitor. A seguir, os principais:
🏡 Imóveis e propriedades rurais
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Fazenda Renascer (zona rural de Mucajaí): com registro de 360 cabeças de gado;
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Sítio Boa Esperança, na gleba Caracaraí, município de Iracema;
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Imóvel urbano no Bairro Canarinho (Boa Vista);
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Lote e casa de alto padrão no Condomínio Rancho Malboro, às margens da BR-174, projetada pela arquiteta também investigada Livia Dourado;
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Imóvel no Residencial Barra dos Ventos, bairro Caçari, Boa Vista.
✈️ Aeronaves e veículos
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Aeronave Tecnam P92 Echo MKII, avaliada em mais de R$ 1,1 milhão, estacionada no hangar da casa no condomínio Malboro;
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Transações com a empresa de Aviação Ltda, especializada em compra e venda de aeronaves;
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Transferência de R$ 620 mil para empresa de automóveis de luxo em nome de laranja identificado pela PF.
💰 Dinheiro e movimentações bancárias
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Registros de depósitos em espécie que somam milhões, com coincidência de datas com saques realizados pela empresa de Engenharia;
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Pagamentos de R$ 66 mil ao escritório de Arquitetura, usado para reformas;
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Pagamentos de R$ 510 mil, R$ 800 mil e até R$ 1,7 milhão em espécie, sem lastro nas contas bancárias de Regys
🧾 Outros bens de alto valor
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Bolsa de valores e joias, tokens de criptomoeda e documentos financeiros;
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Contratos de compra e venda de gado, obras de arte e registros cartoriais.
Quem são os Investigados e Qual o Papel de Cada Um no Esquema
O centro do escândalo gira em torno de Regys Odlare, que, como reitor da UERR entre 2021 e 2023, homologou licitações, ordenou pagamentos sem contraprestação de serviços e, segundo a PF, coordenou uma estrutura paralela de contabilidade dentro da universidade. Regys é acusado pela Polícia Federal de peculato, corrupção passiva, lavagem de dinheiro.
Raimundo Nonato e Irisleide Medrada, sócios da 3D Engenharia, são apontados como executores. Segundo as investigações, eles forjaram planilhas e simularam concorrência para vencer o Pregão Presencial nº 01/2022. Além disso, teriam movimentado milhões em dinheiro vivo, inclusive escondendo R$ 3,2 milhões em sacos de lixo.
Lívia Dourado, chefe da Divisão de Engenharia da UERR, e Letícia Uchôa, pregoeira, teriam atuado diretamente na manipulação dos documentos licitatórios, e são suspeitas de ajudarem o direcionando o resultado. Ambas são investigadas de integrar organização e frustrar o caráter competitivo do certame.
Cláudio Travassos, então vice-reitor e atual reitor da UERR, teria autorizado pagamentos sem comprovação de serviços prestados, enquanto os pró-reitores Alvim Bandeira Neto e Francisco Bessa são investigados pela Polícia Federal de omissão deliberada ao ignorar alertas do controle interno.
O Que Foi Apreendido e o Envolvimento Direto da UERR
A lista de apreensões impressiona: aeronaves, tratores, imóveis de luxo, gado, carros de alto valor, documentos bancários, contratos suspeitos e até um arquivo de Excel com a pesagem de 360 cabeças de gado — tudo vinculado ao nome de Regys.
A investigação revelou que mais da metade dos R$ 108 milhões transferidos à empresa de Engenharia foi sacada em espécie. Parte do dinheiro teria sido usada para comprar, em nome de terceiros, a Fazenda Renascer, o terreno no condomínio Rancho Malboro e até mesmo uma aeronave, cuja aquisição coincide com datas de repasses da UERR à empresa.
A apuração expôs ainda que a UERR, por meio de seus servidores e gestores, adotou sucessivas medidas para burlar a legislação, incluindo a justificativa falsa para trocar o pregão eletrônico por presencial, dificultando a concorrência. O termo de referência da licitação possuía cláusulas que direcionavam o resultado. A proposta da 3D Engenharia foi elaborada com as mesmas palavras do termo produzido pela universidade — e com data anterior à publicação oficial do edital.
De forma reveladora, o laudo pericial da PF apontou: “a cronologia dos saques em espécie coincide com as aquisições patrimoniais”, sugerindo uma relação direta entre os valores desviados e os bens acumulados.