A Assembleia Legislativa de Roraima (ALE-RR) instaurou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar possíveis irregularidades no uso de recursos públicos destinados ao município de São Luiz do Anauá. O foco são mais de R$ 100 milhões em emendas parlamentares estaduais repassadas entre 2020 e 2024 — período que abrange o fim do primeiro mandato e toda a segunda gestão do ex-prefeito James Batista.
A investigação teve início oficial na última quinta-feira (20), durante reunião realizada na Câmara Municipal de São Luiz do Anauá, cidade com pouco mais de 7,3 mil habitantes, a menor população entre os municípios de Roraima. Apesar do pequeno porte, São Luiz recebeu quase R$ 109 milhões em recursos do Estado nos últimos cinco anos, o que chamou a atenção dos parlamentares e da opinião pública.
Durante a reunião, a CPI apresentou seu plano de trabalho e iniciou a oitiva de testemunhas. Os deputados requisitaram documentos que comprovem os repasses feitos por emendas parlamentares individuais e de comissão, além de cópias de convênios entre o município e o Estado, processos e demais expedientes que possam esclarecer o destino dos recursos.
Oitiva e denúncias
A primeira testemunha ouvida foi o vereador Ronaldo Souza Santos, que relatou falhas na distribuição de medicamentos. Segundo ele, em visita à Unidade Básica de Saúde, não foi apresentado nenhum registro de entrada de remédios nos últimos anos, apesar da existência de emendas específicas para essa finalidade. “A última reposição de medicamentos ocorreu há cerca de um ano, enquanto a emenda é mais recente”, afirmou.
Outro depoimento relevante foi o do vereador Gilvane Lima Salazar, que expôs a insatisfação da população com a gestão do ex-prefeito. “Como morador de São Luiz, sinto que a cidade perdeu credibilidade e está arrasada. Vejo pessoas desanimadas e muitas famílias carentes enfrentando dificuldades”, declarou. Salazar reforçou a importância do trabalho da CPI e denunciou que, durante fiscalização feita por vereadores, não foram encontrados medicamentos na farmácia da UBS.
Reações e próximos passos
O presidente da CPI, deputado Renato Silva (Podemos), destacou o impacto da ação junto à população local. “Vi a esperança nos olhos dessas pessoas. Vamos fazer um trabalho sério e com responsabilidade para trazer resultados positivos”, afirmou. Ele também lembrou que, embora a competência da CPI seja investigar recursos estaduais, eventuais provas de desvios de recursos federais poderão ser encaminhadas ao Ministério Público e à Polícia Federal.
O vice-presidente da CPI, deputado Gabriel Picanço (Republicanos), natural de São Luiz do Anauá, defendeu o direito da população de saber onde foi parar o dinheiro. “São mais de R$ 100 milhões. É impossível fecharmos os olhos e não investigarmos”, pontuou.
Já o relator da CPI, deputado Jorge Everton (União), afirmou que já adiantou pedidos de documentos e que novas oitivas estão previstas para a próxima reunião da comissão, marcada para o dia 16 de abril, no Plenário da ALE-RR. “Faremos todas as diligências necessárias para esclarecer onde foram parar os recursos. E, se for o caso, para que esses valores retornem para a população”, afirmou.
Apoio local e composição
A iniciativa conta com o apoio dos vereadores do município. O presidente da Câmara Municipal, vereador Faguinho (Progressistas), afirmou que o Legislativo local continuará colaborando com as investigações e já solicitou documentos à prefeitura.
A CPI foi criada por meio do Ato da Presidência nº 005/2025 e é composta pelos deputados Renato Silva (presidente), Gabriel Picanço (vice-presidente), Jorge Everton (relator), Chico Mozart (Cidadania) e Idázio da Perfil (MDB).
Transparência e fiscalização
A primeira reunião foi transmitida ao vivo pela TV Assembleia (canal 57.3) e pelo canal do YouTube do Parlamento. O vídeo completo está disponível em: https://www.youtube.com/live/v1M1awIi9cw?si=O5152ayd5ABeq54W.
As CPIs são ferramentas constitucionais de fiscalização com poderes semelhantes aos das autoridades judiciais. Elas podem convocar testemunhas, requisitar documentos e realizar diligências. Ao final das investigações, a comissão elabora um relatório que é votado pelo Plenário da ALE-RR. Havendo indícios de irregularidades, o documento é encaminhado aos órgãos competentes, como o Ministério Público, para que sejam tomadas as medidas judiciais e administrativas cabíveis.
A população de São Luiz do Anauá agora aguarda respostas. O que está em jogo não são apenas cifras milionárias, mas o direito dos cidadãos a serviços públicos de qualidade e ao uso transparente dos recursos públicos.