Inaugurada em 2007 ao custo de R$ 1,3 milhão, oriundos de convênio com o Ministério do Turismo, a praça de alimentação da Praça das Águas foi totalmente demolida pela Prefeitura de Boa Vista para dar lugar a uma nova, que custará mais de R$ 6 milhões aos cofres públicos.
O antigo prédio, situado num dos principais cartões postais da capital, era conhecido como praça das Artes e tido como um espaço característico da cidade, abrigando dezenas de boxes que vendiam alimentos de diversas variedades e de quase todas as regiões do país.
O local era bastante frequentado pela população e possuía quiosques onde eram vendidas bijuterias e artesanatos locais, além de um playground infantil.
A arquitetura da antiga praça abrigava dois grandes blocos, além de um estacionamento, e possuía diversos simbolismos que remetiam à cultura indígena do estado, como quiosques em formato de maloca e tijolos artesanais ao redor das vigas de sustentação.
A Prefeitura, porém, decidiu demolir toda a estrutura erguida há apenas 13 anos e que, segundo os permissionários que trabalhavam na área, necessitava apenas de reforma e alguns reparos.
Prefeitura ignorou próprio relatório que reconhecia bom estado da praça
Um relatório produzido pela Secretaria Municipal de Obras (SMO) para revitalização da antiga praça de alimentação apontava que a estrutura do local estava em bom estado de conservação.
O documento, que consta no processo nº 003/2020, cujo objeto seria a contratação de empresa para executar a reforma da praça tenente aviador Rodrigues Medeiros, contém imagens fotográficas de várias partes da estrutura da praça.
As duas guaritas de vigilância, por exemplo, são mostradas no relatório como em situação de bom estado de conservação. Porém, apenas por estarem sem utilização, a Secretaria propôs a demolição.
Apesar disso, nos editais de tomadas de preço dos processos de contratação da empresa que executaria a reforma da praça, a Prefeitura justificou que os antigos boxes, por falta de manutenções desde sua construção, apresentavam degradação pela ação do tempo.
No documento, o município alegou que a reforma do local visava a necessidade de proporcionar melhores condições de trabalho para todos os permissionários e usuários que utilizam a Praça de Alimentação.
Primeira etapa da obra está atrasada e segunda etapa sequer iniciou
Iniciada em agosto de 2019 e prevista para ser finalizada em junho deste ano, a obra de construção da nova praça de alimentação está apenas 67% concluída, conforme consta no Portal da Transparência.
Dos R$ 5,3 milhões que serão gastos na primeira etapa, R$3,6 milhões já foram liberados. A maior parte dos recursos, R$ 4,6 milhões, são oriundos de convênio com o governo federal.
A obra está sendo executada pela empresa Capital Construções Ltda e contemplará a construção de uma estrutura em laje pré-moldada, cobertura com telha termoacústica, piso e vedação de blocos.
Já a segunda etapa da obra, que custará mais R$ 1 milhão e ainda não foi iniciada, prevê nova pavimentação asfáltica, urbanização, bancos de madeira, lixeiras e acessibilidade na área do estacionamento da praça.
‘Perdi a esperança’, diz permissionária sobre retornar à praça
Sem expectativa sobre a inauguração da nova praça de alimentação, os permissionários que foram retirados pela Prefeitura temem sequer poder retornar ao local.
Teoricamente, os que estivessem com as taxas em dia teriam prioridade na ocupação dos novos quiosques, mas a Prefeitura teria voltado atrás na decisão.
“A única coisa que falaram é que era para mantermos em dia as taxas que não teríamos problemas em voltar, mas depois disseram para nós que talvez não voltássemos”, disse ao Portal Política Macuxi uma das comerciantes do local.
Ela possuía um quiosque na praça, mas afirmou não ter recebido nenhum suporte da prefeitura após ser despejada.
“Alguns de nós alugaram um estacionamento na frente da Praça das Águas por R$ 4 mil mensais para tentar se manter, mas agora o dono está querendo o espaço porque a maioria já saiu e as pessoas que estão não têm condições de pagar”, relatou.
Segundo a comerciante, não havia necessidade de demolição da antiga praça. “A prefeitura disse que iria trazer melhorias e nós aceitamos. Não sabíamos que iriam derrubar, ali era coisa para durar muitos anos, precisava apenas de uma reforma”, afirmou.
“Na época pedimos um tempo maior para sairmos, mas nem isso nos deram. Tive que despachar vários funcionários que ficaram sem emprego. Não tenho mais esperança de voltar, nem fui mais atrás. Já deixei para lá, porque é muita humilhação”, complementou.
Vereador diz que denunciou indícios de irregularidades em obra
Em entrevista ao Política Macuxi, o vereador Linoberg Almeida (Rede) afirmou que a Prefeitura não mantém diálogo com os parlamentares, nem consulta à comunidade sobre obras como a praça de alimentação.
“Permissionários ficaram desalojados, clamando por respostas meses e sem previsão de retorno. Não há manutenção do patrimônio para evitar deteriorar, demolir e (re)construir. Parece que só serve a marca dessa gestão e não nossa identidade. Não tem traço arquitetônico que converse com a cidade”, criticou.
Segundo o parlamentar, alguns indícios de irregularidades na obra foram levados por ele até os órgãos de controle.
“Faço a fiscalização como vereador, sinalizo sobre as prioridades, aviso órgão de controle sobre indícios de irregularidades, principalmente quando há contrapartidas como nesse caso, mas as escolhas da gestão são as da cabeça da prefeita, tudo sem plano diretor, sem conselho da cidade opinar, sem passar pela Câmara”, destacou.
Prefeitura alega estar fazendo cadastramento e que pandemia atrasou obra
Em nota encaminhada ao Política Macuxi, a Prefeitura de Boa Vista alegou que algumas obras que estavam no planejamento de execução foram prejudicadas pela crise do novo coronavírus, mas que está fazendo o possível para recuperar o tempo perdido e conseguir cumprir todo cronograma de entregas à população.
“A obra da praça de alimentação localizada na Praça das Águas teve seu calendário de entrega reprogramado para o mês de outubro desse ano”, informou.
Com relação aos permissionários, a Prefeitura de Boa Vista se limitou a informar que que todos os levantamentos, cadastramentos e documentações estão sendo solicitadas e verificadas para que em breve os quiosques estejam funcionando e prestando um bom serviço à população.
“A prefeitura destaca ainda que ao longo dos anos, no planejamento de suas obras, tem investido fortemente na geração de emprego e renda, e também na realização de eventos (suspensos em função da pandemia) beneficiando centenas de micro empreendedores individuais e profissionais autônomos”, pontuou.
Praça levava o nome de piloto que evitou tragédia em área residencial
Além de todo simbolismo regional que a curta história da praça de alimentação trazia, a área também levava o nome de um herói local: o tenente aviador Fernando Wilmers de Medeiros.
O piloto, então com 25 anos, fazia parte de um grupo de elite da Força Aérea Brasileira (FAB) quando, em 2007, morreu após tentar um pouso forçado e ter evitado que seu avião caísse em residências próximas à praça do Paraviana.
A Prefeitura de Boa Vista, por meio do Decreto Municipal de Nº 171/E, de julho de 2007, assinado pelo Prefeito, à época, Iradilson Sampaio, denominou de “Praça Tenente-Aviador Fernando de Medeiros” o espaço onde estava a Área de Alimentação recém demolida.